quinta-feira, 12 de março de 2015

CRÓNICA: FOCUS

Título Original: Focus
Título Nacional: Focus
Pontuação: ★ ★ ★ ½ ☆

Realização: Glenn Ficarra, John Requa
Argumento: Glenn Ficarra & John Requa 
Elenco: Will Smith, Margot Robbie, Rodrigo Santoro
Info: Drama | Crime | Comédia | $50M | 105 min



Luxo. Sensualidade. Classe. É isto que nos é oferecido em Focus: uma oportunidade de conseguir um breve mas saboroso insight de uma vida de estrela. Fatos, relógios, jóias, carros, dinheiro. Estamos rodeados. Por isso é que sabe bem ver este filme escrito e realizado por Glenn Ficarra e John Requa, a dupla responsável por Crazy, Stupid, Love e I Love You Phillip Morris.

Esta é a história de Nicky (Will Smith), um charmoso vigarista e carteirista. Quando descobre a aspirante Jess (Margot Robbie), recebe-a como protegée na sua equipa de burlões e mostra-lhe um mundo em que realidade e ilusão se misturam, onde se suspende a credibilidade do que os nossos sentidos captam, e onde as emoções podem ser a morte do artista. Depois de se separarem após uma golpada bem-sucedida, Nicky e Jess voltam a encontrar-se passado algum tempo quando o primeiro se prepara para o seu próximo golpe, ao serviço de Garriga (Rodrigo Santoro), o dono de uma equipa de automobilismo. Com o inesperado reencontro, o plano começa a fugir do controlo de Nicky e o jogo começa a ficar perigoso.

Num filme em que artistas incrivelmente habilidosos realizam proezas quase irreais, correndo riscos imensos – tudo isto enquanto se mostram inacreditavelmente bem-parecidos – é difícil não ficar maravilhado. E com efeito a fotografia é um grande trunfo de Focus. O trabalho notável de Xavier Pérez Grobet (Enough Said e Nacho Libre) envolve o espectador, integrando-o nos ambientes em que se desenrola a ação, fundindo o estilo de um anúncio de carro desportivo com o glamour de uma passagem de modelos, acrescentando uma pitada de privilégio de uma festa particular ou de um camarote VIP no Superbowl. Para além disto, temos o bom trabalho de realização da dupla Ficarra-Requa, captando belíssimas coreografias da arte do carteirismo e cenas provocadoras de uma tensão pouco habitual (veja-se a cena no camarote – com nota artística para B. D. Wong).

Depois do fracasso de After Earth, Will Smith volta com, possivelmente, a sua melhor performance desde Ali. Ainda que Nicky não seja uma personagem profundamente explorada, a interpretação de Smith liga na perfeição com o que o filme pretende ser. Por sua vez, Margot Robbie (que vimos interpretar a mulher de DiCaprio em The Wolf of Wall Street) também tem uma prestação favorável, utilizando a seu favor a sua beleza e sensualidade para, tal como acontece em algumas peripécias do filme, desviar a atenção de algumas fraquezas de representação. A destacar também a interpretação de Adrian Martinez como Farhad, companheiro de Nicky, protagonizando cenas de um requinte notável (irónico), bem como a de Gerald McRaney, no papel do impiedoso braço direito de Garriga, Bucky Spurgeon, que apesar de não ter muito tempo de antena, mostra uma personagem com muita fibra e compromisso.

Não passa despercebida a química existente entre os dois personagens principais, embora a sua relação seja tomada de uma forma tão leviana que não é o que o espectador leva para casa. É pena, dado que o jogo, numa relação em que ambos os elementos fazem da mentira a sua vida e em que a confiança está permanentemente em xeque, podia ser interessante. Mas não se pode ficar triste. O que recebemos em troca é um leque de twists e puxões de tapete, muito característicos deste tipo de filmes, criados com alguma mestria, bem como uma meia dúzia de momentos de humor sui generis, que se revelam boas surpresas no decorrer da ação. Para não faltar à sinceridade, a verdade é que, para os amantes de este tipo de histórias, é provável que umas quantas reviravoltas que não sejam enormes surpresas (a série da BBC Hustle recomenda-se para os aficionados). Mas também é verdade que isso não tira o charme a Focus, não tira o mérito ao trabalho da realização, porque o espectador acaba por ter a oportunidade de apreciar a viagem. Não é um filme que fique para a história, tem a limitação de começar como verdadeiramente plausível e acabar como “isto só mesmo num filme”, mas também a vantagem de nos abraçar e nos transportar para uma jornada cheia de estilo, porque é isso que ele é: um filme com estilo.

quarta-feira, 11 de março de 2015

CRÓNICA: CHAPPIE

Título Original: Chappie
Título Nacional: Chappie
Pontuação: ★ ★ ★ ☆ ☆

Realização: Neill Blomkamp
Argumento: Neill Blomkamp & Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Dev Patel, Watkin Tudor Jones, 
Yo-landi Visser, Hugh Jackman, Sigourney Weaver
Info: Ação | Ficção Científica | Thriller | $49M | 120 min



Depois do brilhante sleeper hit com que se estreou no cinema – District 9 (2009) – as expectativas para Chappie de Neill Blomkamp, tinham de ser elevadas. Aliás, para todos aqueles que se maravilharam com a primeira longa-metragem do realizador sul-africano e que assistiram ao malogrado Elysium (2013), Chappie poderia ser a obra que comprovava o valor de Blomkamp. No entanto, o resultado está aquém do seu primeiro filme e redireciona as esperanças de muitos, para desespero de outros, para a recém-anunciada sequela de Alien.

Num futuro próximo, o palco é Joanesburgo, a cidade natal do realizador (onde é que eu já vi isto?). O crime tomou as ruas “de assalto” e o combate à criminalidade torna-se cada vez mais complicado à custa de muitas baixas no corpo policial. Esta é a informação que nos é passada em formato de bloco noticioso na cena inicial de Chappie juntamente com a solução que passará pela inclusão de robôs-polícias, os scouts, no ringue da luta contra o crime. O seu criador, Deon Wilson (Dev Patel), ao serviço de uma empresa de armamento liderada por Sigourney Weaver, tem no entanto aspirações maiores do que a criação de uma matilha de robocops: pretende criar a primeira verdadeira inteligência artificial – capaz de sentir, aprender, adaptar, ser criativa e até escrever poesia. Vá-se lá perceber o porquê de uma empresa de armamento rejeitar tal ideia. Enfim. Quando Wilson é raptado por um grupo de delinquentes, entre os quais estão Ninja e Yo-Landi Visser (rappers da banda sul-africana Die Antwoord), vê-se forçado a testar a sua criação numa unidade policial inutilizada em combate. E assim nasce Chappie, um bebé-robô que vai crescer num bairro problemático e com pais que têm tanto de cultura literária quanto sentido de estética. O seu propósito é aproveitar a ingenuidade de Chappie para o levar a auxiliá-los numa série de crimes para que possam saldar uma dívida pendente ao delinquente-mor, e tudo isto enquanto o colega invejoso de Wilson, Vincent Moore (Hugh Jackman), tenta eliminar a sua criação.

Não é surpresa encontrarmos um pano de fundo satírico-crítico social neste filme de Blomkamp: depois do ensaio sobre o apartheid e a xenofobia que pudemos observar em District 9 e do gap hiperbólico de classes apresentado em ElysiumChappie faz uma abordagem do confronto inato vs. adquirido, da exploração da inocência e põe-nos a pensar até um pouco sobre clonagem.

Sharlto Copley, que parece ser amuleto para Blomkamp, volta ao plantel principal dando vida de forma imaculada ao desajeitado homem de lata através de motion-capture, do descontrolo de movimentos do início da vida ao caminhar street gangsta muthafucka que acaba por adquirir. Há que salientar o trabalho notável de efeitos especiais que tornam este personagem tão realista. Depois temos uma série de atores improváveis no papel de heróis. Dev Patel, que parece fazer bem o salto para um filme de ação (sabe que isto não é o Quem quer ser Milionário?), e os tão extravagantes como na realidade Ninja e Yo-Landi, que se estreiam no grande ecrã. Finalmente, nota artística para Hugh Jackman, que interpreta um vilão impiedoso e sem escrúpulos de forma brilhante, destacando-se enquanto ator e trazendo muito corpo ao elenco (tanto figurada como literalmente).

Tudo parece alinhado em ideias e personagens, para um grande sucesso para Blomkamp. E sê-lo-ia caso a narrativa tivesse tido tanta atenção como a linguagem corporal de Copley ou a perfeição visual de Chappie. O argumento desenhado, escrito conjuntamente com a sua mulher Terri Tatchell, deveria fazer-nos pensar sobre aquilo que constitui a natureza humana (não falhando por completo aí), mas deixa-nos no final o sabor amargo da subexploração. O cineasta sul-africano parece não conseguir encontrar o equilíbrio entre o filme de ideias e a ação exacerbada, evidenciando-se um contraste entre essas duas frentes. Resta ao espectador admirar a performance de Copley num Chappie que conquista o carinho de quem o vê crescer, louvar o honrado patriotismo de Blomkamp que volta a tomar Joanesburgo como seu palco e a incluir no elenco Sharlto Copley e a banda Die Antwoord, e levar para casa como TPC as ideias que nos são apresentadas que, apesar de pouco aprofundadas, não perdem o seu valor. Por tudo isto, Chappie é um filme que nos mostra mais uma vez a distopia que já caracteriza Neill Blomkamp e que vale a pena ir ver.

domingo, 8 de março de 2015

CRÓNICA: BLACK SEA

Título Original: Black Sea
Título Nacional: Mar Negro
Pontuação: ★ ★ ★ ☆ ☆

Realização: Kevin MacDonald
Argumento: Dennis Kelly
Elenco: Jude Law, Scoot McNairy, Ben Mendelsohn, David Threlfall
Info: Aventura | Thriller | (budget não divulgado) | 114 min



Das Boot, The Hunt for Red October, Crimson Tide. Estes são alguns filmes que têm num submarino o seu palco principal. Têm também em comum terem obtido pelo menos 3 nomeações para os óscares (o primeiro teve 6). Este é um dos primeiros desafios com que se depara o realizador Kevin MacDonald – The Last King of Scotland (2006), State of Play (2009) e Touching the Void (2003).

Por sua vez, o argumentista estreante Dennis Kelly – alguns conhecerão o seu trabalho na série britânica Utopia – apresenta-nos a história de Robinson (Jude Law), capitão de submarino profissional, que acaba de ser dispensado. Quem diria? Diz que até é uma profissão com saída... A injustiça que sente perante a empresa a que dedicou a sua vida a um preço muito elevado, o da sua família, leva-o a embarcar (literalmente) numa jornada no Mar Negro em busca de um submarino alemão, carregadinho de ouro e afundado durante a Segunda Guerra Mundial, que está na mira dos seus ex-empregadores. Movido por esta vontade de lhes mostrar o dedo do meio, junta uma tripulação composta por ingleses e russos e consegue o investimento necessário para alugar um submarino para esta missão.

O tempo que nos é dado para conhecer a fundo a história de cada um dos tripulantes acaba por se revelar diminuto, fazendo com que não se ganhe a aproximação e o afeto desejados com cada personagem, em prejuízo do trabalho de Kelly. Porém, com o desenrolar do filme apercebemo-nos que todas estas personagens, com os seus carismas, feitios e obsessões, são pessoas com defeitos que se vão revelando, ao ponto de o espectador questionar “mas afinal quem é que são os bons?”. Esta particularidade do trabalho do argumentista, não criando aquele típico herói, é preponderante para permitir que o público se envolva no ambiente criado. Adicionalmente, o facto de estarmos perante um grupo de homens que dedicaram a vida a trabalhar para uma empregador cruel e desinteressado, em prejuízo de saúde, casamento ou felicidade, faz com que, em todo o caso, o espectador deseje que a demanda seja bem-sucedida.

O desempenho de Jude Law é muito bom, encarnando um capitão Robinson durão e pragmático, muito distante das personagens de menino bonito que marcaram a ascendência na carreira do ator. Também um personagem com os seus defeitos e virtudes, o filme explora o trabalho deste homem a lutar com a dificuldade de ser um capitão-treinador, atenuando as divergências de uma equipa disfuncional e focando os seus esforços no objetivo final. E como nem tudo é pragmatismo, vemos também o Law sensível de sempre a receber a ovelha tresmalhada do grupo por baixo da sua asa, Tobin (Bobby Schofield), um adolescente que caiu no submarino de pára-quedas (não literalmente). Em igual situação está também Daniels, interpretado pelo ascendente Scoot McNairy (Argo, 12 Years a Slave), subordinado do investidor que é também forçado a juntar-se à missão. Olhado por muitos como representante da madrasta sociedade, economista de gravata num submarino, é também segregado e faísca para muitos rastilhos.

Mesmo fugindo de um enredo convencional, não podemos deixar de reparar em alguns clichés deixados pela dupla Kelly-MacDonald tais como a namorada grávida, a fotografia da família distante na carteira do capitão ou a personagem claustrofóbica no submarino. O enredo também começa morno, mas à medida que avança, adquire-se um certo momentum oferecendo-nos um ou outro twist surpreendente.

No global estamos perante um filme que nos envolve com o meio e com a missão, que podia explorar um pouco melhor a claustrofobia e a morfologia labiríntica de um submarino – os planos capturados em movimento são poucos – mas que nos presenteia com uma performance alternativa de Jude Law, algumas surpresas no enredo e uma abordagem alternativa de um modelo de filme um tanto ou quanto comum. Tem ainda a vantagem de nos fazer viajar num submarino em melhor estado que os adquiridos por Portas (sim, é mesmo este).


segunda-feira, 2 de março de 2015

CRÓNICA: THE WEDDING RINGER

Título Original: The Wedding Ringer
Título Nacional: O Amigo do Peito
Pontuação: ★ ★  ☆ ☆ + 

Realização: Jeremy Garelick
Argumento: Jeremy Garelick & Jay Lavender 
Elenco: Kevin Hart, Josh Gad, Kaley Cuoco-Sweeting
Info: Comédia | Romance | $23M | 101 min



A cena de abertura de The Wedding Ringer é um retrato muito fiel daquilo que é o filme na sua globalidade. Um problema, uma grande dificuldade em resolvê-lo e disparates em quantidades industriais (veja-se o episódio da mesa no final da cena).

O plot é simples: Doug Harris (Josh Gad) não consegue arranjar padrinhos para o seu casamento e recorre aos serviços da Best Man, Inc., empresa gerida por Jimmy Callahan (Kevin Hart) que é a solução para os seus problemas: existe apenas uma regra, Doug comprou um serviço, não um melhor amigo, e portanto no final do casamento cada um deverá seguir a sua vidinha.

Como é mais do que óbvio, não é spoiler nenhum dizer que os dois ficam juntos no final, e isso é o grande trunfo que nos é apresentado em The Wedding Ringer. Todos sabemos para onde vamos, e não é por isso que o espectador deixa de se surpreender. Este é um filme que não pretende ter personagens complexas para se conhecer à medida que o enredo avança, optando antes por uma mão cheia de estereótipos que têm o seu momento para brilhar. Um humor assente tanto no exagero como na surpresa, com alguns diálogos muito bem esgalhados e uma mensagem de fundo que nos prova que o facto de o gordo ir sempre à baliza só é uma oportunidade para este se tornar um bom guarda-redes, são suficientes para The Wedding Ringer não ser de todo um fracasso.

Kevin Hart é um comediante fabuloso e mostra-o por diversas vezes, Josh Gad cumpre muito bem com o seu papel e Kaley Cuoco-Sweeting, a Penny de Big Bang Theory, com pouco tempo de antena, tem uma prestação que cumpre os mínimos, tão morna quanto a personagem que interpreta. Uma vénia ainda para o ator Ignacio Serricchio no papel de Edmundo.

Em suma, o filme de Jeremy Garelick e Jay Lavender (criadores de The Break-Up) mostra que sabe bem em que categoria se insere, procurando destacar-se sem ser pretensioso, mantendo-se simples, inteligente, por vezes bizarro e muitas vezes divertido. Não leva mais do que duas estrelas, mas leva uma estrela suplementar de “Bom Filme de Domingo à Tarde” – aqueles domingos marcados por um bom almoço, em que o sofá grita por nós para assistir a uma película que não exija muito do nosso intelecto – porque de facto é um belo pedaço de entretenimento (para M/14).